Desigualdade e empreendedorismo: um mundo menos desigual pede coragem de pessoas empreendedoras

Sumário

Quando a globalização e as tecnologias chegaram às casas do homem-comum, euforia e esperança tomaram conta dos noticiários, da política, das rodas de bares. Nas décadas de 1990 e 2000, países celebraram uma narrativa que reconhecia a necessidade de garantir aos indivíduos um conjunto de direitos políticos e sociais, oportunidades econômicas e liberdades que assegurariam a construção de um mundo com menos desigualdade e mais acesso à informação, educação, saúde, moradia, etc.

Contudo, contrariando esse otimismo pós-revolução da internet e da tecnologia da informação, desde a crise financeira de 2008, nota-se, no mundo, a emergência de sistemas nacionais protecionistas, das restrições à imigração, da ameaça aos direitos das minorias e o aumento da desigualdade de distribuição de renda. Como muito bem pontua Yuval Noah Harari em seu novo livro, “Lições para o século 21”, parece que o poder por nós adquirido de conectar-se ao planeta inteiro e a diversos conhecimentos disponíveis esbarrou na complexidade das interações entre economias, indivíduos e ecossistemas.

O relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras” publicado pela OXFAM Brasil em novembro de 2018 aponta que nos últimos 5 anos, houve aumento da proporção da população em condição de pobreza, do nível de desigualdade de renda do trabalho e dos índices de mortalidade infantil no país. O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda dos países, que vinha caindo desde 2002 no Brasil,estagnou em 2016 e 2017:

“Considerando o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável –ODS 10, que preconiza a redução de desigualdades dentro dos países e entre eles”, o Brasil caminha a passos largos para trás. Entre 2016 e 2017, os 40% mais pobres tiveram variação de renda pior do que a média nacional, contrariando a meta 1 do ODS 10. Nesse mesmo período, mulheres e a população negra tiveram pior desempenho de renda do que homens e a população branca, respectivamente, o que significou um recuo na equiparação de renda – na contramão da meta 10.2. Houve recuo também nas metas 10.3 e 10.4, com a aprovação de marcos legais que jogam contra a igualdade de oportunidades para a maioria da população, e prejudicam a capacidade da política fiscal de reduzir desigualdades.” (OXFAM, p.9, 2018)

Assim, quando penso no futuro, em especial na Agenda 2030, de busca pela Redução das Desigualdades entre países e dentro deles (ODS10) reconheço a importância de refletirmos sobre as limitações dos nossos modelos atuais na busca por essas igualdades. Felizmente temos a liberdade de reconhecer nossos erros e uma imensa capacidade de atuar em locais de necessidade.

Começo a entender esse momento como um processo de amadurecimento para a reconstrução do nosso tecido social. A história não é linear, e antes de pensar em previsões negativas para a ODS10, precisamos reconhecer que as coisas estão confusas e que a narrativa que nos conduziu até aqui precisa ser revisitada.
Os números (não apenas os brasileiros) apontam para um sistema econômico, político e social que tem falhado na garantia de acessos básicos à população e aprofundado distâncias entre povos, gêneros e raças.

Mostra uma área externa com pessoas caminhando rápido, de modo que o corpo fica borrado na imagem.

Temos questões importantes à nossa frente:

  • Como iremos atuar para construir um mundo com menos desigualdade, com amplo acesso à saúde, educação, informação e renda?
  • E paralelamente à isso, como construir novas economias que respeitem a ecologia global?

Há, então, a necessidade cada vez mais concreta de resolver problemas sociais e ambientais complexos a partir de novos formatos, envolvendo múltiplos atores e os conectando. A inovação social precisa ser construída a partir de processos que otimizem os recursos disponíveis pelas mãos de múltiplas mentes e vivências. É exatamente isso que tenho vivenciado nessa jornada pelo ecossistema de impacto através de projetos desenvolvidos pela Semente Negócios em parcerias públicas e/ou privadas.

Iniciativas como o Fundo de Impacto Social Igualdades, que promove a inclusão da comunidade LGBTI e o VaiTec, programa da AdeSampa em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, que acelera negócios de base tecnológica das periferias de SP, são exemplos de iniciativas que promovem de maneira eficaz a inovação social, através do apoio técnico e financeiro, do reconhecimento das culturas locais e dos territórios, como espaços não somente de atuação de necessidades mas de criação e vida.

VaiTec

Após uma parceria bem-sucedida com a Fundação Telefônica Vivo na elaboração da metodologia do programa Pense Grande, coletamos estes resultados para desenhar e executar o VaiTec – programa de aceleração de negócios de base tecnológica na periferia de São Paulo, onde cada negócio selecionado recebe R$32 mil reais de investimento além de capacitações e assessorias semanais. Foram 24 negócios selecionados, divididos entre as periferias da zona norte, sul e leste da capital paulistana.

Alguns deles já conhecidos em seus territórios estão expandindo sua atuação (casos como Boutique de Krioula, Gastronomia Periférica, Clube da Preta, 4Way, LiteraRua e Jaubra), alguns já possuíam faturamento, mas apresentavam dificuldades para irem mais longe, tanto por limitações técnicas quanto por limitações financeiras. Dos 24 sócios-fundadores selecionados, 33% são mulheres, 68% autodeclarados negros, 75% possuem renda familiar de até 3 salários mínimos e 50% tem o empreendimento como única fonte de renda familiar.

Quando vivencio estes empreendimentos, percebo que talvez não tenhamos as respostas e estejamos confusos sobre o futuro, entretanto, podemos nos referenciar em iniciativas concretas que promovem a inclusão e celebram a diversidade. Nesse caminho, tem sido esforço hercúleo adaptar nossas linguagens, reconhecer os diferentes paradigmas de sucesso que compõem a sociedade, estabelecer conexões locais perenes, construir processos lean e ágeis que permitam velocidade nos aprendizados e gerar renda e recursos para as comunidades de prática as quais nos envolvemos.

Por isso, ainda que não tenhamos certeza sobre os caminhos para a construção de uma sociedade mais igual, confio que “é preciso ter sonho sempre.[porquê] Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida” – e são essas pessoas, as com fé na vida, que têm tido a coragem de empreender o mundo que nos cerca.

ellen
ellen

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *