Pesquisa Exploratória: mergulhe no problema do cliente

Sumário

Parte 2 – Como otimizar e acelerar o seu processo de validação de hipóteses

Essa é parte 2 de um par de artigos que tem o objetivo de melhorar o processo de validação inicial que empreendedores usam nos seus modelos de negócios. Apresentando a poderosa ferramenta de pesquisa exploratória e evidenciando os principais erros cometidos ao mergulhar no problema do cliente. 

Na primeira parte evidenciamos a necessidade de se trabalhar com pesquisa exploratória (ou entrevista de validação) em diversos estágios da validação de um negócio inovador.

Também exploramos a fundo os principais erros cometidos por empreendedores que se utilizam dessa ferramenta para aprofundar o seu conhecimento a respeito do público que pretende atender.

Cumprindo atentamente as recomendações levantadas nessa primeira parte, o processo de validação do problema do cliente (e demais hipóteses do seu Modelo de Negócios) já se torna bem mais assertivo.

Para acelerar e otimizar ainda mais esses processos de validação nessa segunda parte, vamos abordar as melhores práticas na hora de fazer uma pesquisa exploratória, desde a sua preparação até o processamento dos insights obtidos.

É importante notar que um processo otimizado não significa que as hipóteses que você irá desenhar tenham mais chances de serem validadas. Apenas que os testes realizados serão mais significativos, e que a decisão tomada a partir deles será mais consistente.

Como se preparar para uma entrevista de validação de hipóteses

Pesquisa exploratória é o exaustivo processo de entrevistas de validação com o objetivo de validar de hipóteses — principalmente hipóteses envolvendo público-alvo e o problema do cliente — a partir de conversas pessoais, sinceras e profundas com uma amostra significativa de um determinado público. 

A definição acima deixa clara a necessidade de se delimitar um público a ser amostrado e entrevistado, ao qual todas as hipóteses testadas dizem respeito e que é de significativa importância para o negócio que se está desenvolvendo.

Sem uma delimitação clara de quem se quer atingir nesse teste, corre-se o risco da informação extraída ser muito difusa, dificultando a posterior tomada de decisão.

Isso não quer dizer necessariamente que você já precisa ter validado o seu público-alvo para iniciar o processo de pesquisa exploratória, pelo contrário. É justamente nesse processo que se validam relações de um determinado público-alvo e as diferentes personas que o compõe com um problema do cliente a ser resolvido.

Isso significa, na verdade, que a preparação para a pesquisa se inicia com, pelo menos, uma boa hipótese de quem seria o público-alvo do Modelo de Negócios.

Por exemplo:  a Beetz, startup que passou pelo processo de capacitação da Semente na nona turma do StartupRS Digital, busca resolver os problemas encontrados na relação de músicos e estabelecimentos com música ao vivo. E precisa entender e validar profundamente todos os problemas do cliente.

Para isso, os empreendedores precisam entrevistar, com certeza, os músicos que tocam nesses bares e os donos desses estabelecimentos, ao menos. Conforme a exploração se desenrola talvez surja a necessidade de entrevistar também os clientes que frequentam esses estabelecimentos.

Em cada um desses três grupos, as conversas tem dois principais resultados: a validação de hipóteses previamente descritas e formular novas hipóteses.

Como dito anteriormente, essas hipóteses podem ser de problema, público, modelo de receita, proposta de valor, solução, canais… Enfim, de qualquer campo do canvas do seu negócio.

Seguindo no exemplo anterior, podemos formular hipóteses para:

  • Problema – O mercado da música ao vivo é complexo e auto regulado, e as práticas acontecem de forma descentralizada e manual.
  • Público-alvo – Músicos que querem se profissionalizar ou pequenos músicos profissionais têm uma preocupação maior sobre o processo de contratação em comparação a músicos amadores.
  • Proposta de Valor – Ambos os públicos percebem valor na promoção da música ao vivo a partir da conexão entre artistas e locais para apresentação de forma digital.
  • Solução – Músicos têm dificuldades em mostrar o seu valor para os donos dos estabelecimentos.
  • Fontes de Receita – Donos de estabelecimento gastam muito tempo gerindo a carteira de músicos; Músicos perdem de ganhar mais por desorganização e por não ter poder de barganha.
  • Canais – Músicos costumam criar comunidades regionais e se promovem em redes sociais e redes especializadas em música.

Formular hipóteses é o passo zero para qualquer validação.

O desafio, nesse caso, é ter conversas convergentes o suficiente para pôr à prova as hipóteses previstas. E divergentes o suficiente para que novas hipóteses apareçam.

A segunda etapa da preparação para as entrevistas traz a flexibilidade necessária para que essas condições se apliquem: é o que chamamos de mapa de objetivos.

startup maker

Problema do cliente: ressignificando o roteiro de entrevistas

Criar um roteiro de perguntas e questioná-las ao entrevistado de maneira subsequente, tomando nota enquanto ouve um monólogo da pessoa na sua frente é a postura mais comum quando se decide fazer uma pesquisa.

Esse método não é necessariamente errado, mas é extremamente ineficiente. 

O problema origina na falta de flexibilidade desse roteiro, rígido.

O extremo oposto, uma conversa sem estrutura ou diretriz nenhuma apesar de, provavelmente, ser uma boa fonte de novas hipóteses, é ineficaz na validação das hipóteses propostas.

Além de trazer informações muito difusas e ser muito difícil de ser executada como um processo de forma consistente ao longo do tempo.

O mapa de objetivos resolve esses problemas: ao invés de criar um roteiro de perguntas, defina os objetivos que a entrevista tem, ou aspectos que se quer entender ao final da conversa, e crie clusters de perguntas que guiam a conversa em torno do assunto de cada objetivo.

Hipóteses claras e bem desenhadas costumam facilitar a definição dos objetivos, mas muitas vezes uma hipótese é validada a partir do entendimento de vários aspectos do mercado, e é necessário que se atinja mais de um objetivo nas conversas.

Outro jeito de direcionar essa criação é se inspirar em processos de qualificação usados em vendas, mais especificamente o SPIN (Situação, Problema, Implicação e Necessidade) e o GPCTBA C&I (Goals – Objetivos, Plans – Planos, Challenges – Desafios, Timing – Tempo, Budget – Orçamento, Authority – Autoridade, Negative Consequences – Consequências Negativas, Positive Implications, Implicações Positivas).

Cada uma das letras desses acrônimos pode inspirar um objetivo diferente na entrevista, seja entender a situação na qual o entrevistado está inserido, seja validar se determinado público tem orçamento disponível e autoridade para resolver o problema do cliente.

No segundo nível, cada objetivo precisa de um repertório de perguntas que direcionam a conversa em torno de assuntos relacionados ao objetivo, aprofundando o entendimento sobre aquele tema.

Esse repertório deve ser amplo o suficiente para estressar o tema até extrair as informações necessárias, ao mesmo tempo que não pode ser redundante para não gastar o tempo nem a paciência do entrevistado.

Via de regra, um bom conjunto de perguntas segue as seguintes boas práticas:

  • Use linguagem coloquial;
  • Prefira perguntas recordativas (no pretérito perfeito) à perguntas condicionais (no futuro do pretérito, ou usando o condicional se);
  • Alterne perguntas abertas e perguntas fechadas quando necessário:
    • Use perguntas abertas para iniciar um assunto ou explorar alguma situação;
    • Use perguntas fechadas para confirmar alguma informação ou conseguir algum dado mais preciso;
  • Se surgir espontaneamente uma informação de interesse no meio da conversa, adapte suas perguntas para explorar mais esse ponto. Coloque o dedo na ferida;
  • Faça perguntas de cadastro (como idade, renda, cargo) ao final da conversa para não desengajar o entrevistado logo de início;
  • As primeiras aplicações talvez saiam um pouco confusas, truncadas ou difíceis, mas não desanime! Aprenda com essas aplicações e adapte a abordagem e o roteiro utilizados.

Exemplo real: caso Beetz

No exemplo da Beetz temos a seguinte construção:

HIPÓTESE: A dificuldade na gestão financeira das suas carreiras é uma barreira na profissionalização do trabalho dos músicos.

OBJETIVO 1: Entender como é o processo de pagamento dos estabelecimentos aos músicos, e como isso impacta no dia-a-dia do músico.

PERGUNTAS:

  1. Pensando nas últimas apresentações que você fez em bares e restaurantes, como foi o processo de negociação dos valores com os donos dos bares?
  2. Como foi acertado o pagamento? Na contratação, à vista no dia da apresentação, em dinheiro, transferência, em uma data futura, etc.
  3. Quanto você ganha, em média, por apresentação?
  4. Quanto você faturou com apresentações no último mês?
  5. Você tem algum controle das tuas finanças?
  6. Que dificuldades você encontra nesse processo de recebimento?
  7. Você está buscando se profissionalizar, ou seja, viver só de música, em um futuro próximo?
  8. Que ações você toma para se profissionalizar?

Tendo uma primeira versão do Mapa de Objetivos podemos começar a nos preocupar mais com a prospecção de entrevistado e a condução das entrevistas.

Making conversation: crie conexão (rapport) com o entrevistado e retroalimente o fluxo de entrevistas

O primeiro desafio que surge ao sair do prédio para realizar entrevistas de validação é acessar esse público-alvo e engajar ele para disponibilizar um tempo do seu dia para conversar.

Via de regra o público-alvo dessas soluções é bastante ocupado, algumas vezes bastante difícil de se encontrar e acessar (como no caso de diretores de grandes empresas) e o simples fato dessa pessoa reservar alguns minutos para prestar atenção no seu negócio já é um sinal de que ele vê algum valor na proposta.

A estratégia de execução da pesquisa exploratória itera entre quatro etapas, num ciclo que retroalimenta o fluxo de entrevistados:

PROSPECÇÃO>ENGAJAMENTO>ENTREVISTA>INDICAÇÃO

Validação de hipóteses: Prospecção

A primeira etapa, de prospecção, demanda dos empreendedores uma certa dose de empatia com o público-alvo para descobrir onde esse público pode ser encontrado.

Se colocar na pele dessa pessoa e simular como seria um dia na vida dela pode ajudar. Imagine situações corriqueiras, rotinas diárias, problemas encontrados e ações tomadas, sempre prestando atenção no ambiente em que essas ações ocorrem. Estar nesses ambientes (físicos e virtuais) é a melhor fonte de contatos que se pode ter.

Como dito, esses ambientes podem ser físicos ou virtuais, profissionais ou pessoais, públicos ou privados. Faça, com a sua equipe, um exercício de brainstorming para listar esses ambientes, e tente não se limitar somente às redes sociais.

Eventos, grupos de mensagens, estabelecimentos comerciais, centros comerciais, telefonema e e-mails frios, zonas de negócios (como a Av. Paulista), blogs e fóruns de dúvidas na internet, entre outros. São quase infinitas as possibilidades, mas esse primeiro exercício direciona a busca por entrevistados e alinha os trabalhos da equipe.

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Validação de hipóteses: Engajamento

Encontrado um ou mais ambientes nos quais o público-alvo se concentra, é hora de abordar esse público e engaja-lo na entrevista. Duas estratégias distintas e não excludentes ajudam nessa etapa: o Manifesto do Problema e o Apelo à Ignorância.

O Manifesto do Problema consiste em declarar que se está se deparando com o problema do cliente que o negócio visa resolver e observar quem se move para ajudá-lo a resolver, ou compartilhar que também sofre do mesmo problema.

Numa analogia, é como se o empreendedor levantasse a mão e dissesse “eu tenho tal dor!” e esperar que outras pessoas respondam “eu também!” ou “eu sei como te ajudar”. É uma isca de problema, e os fisgados se dispõem a conversar sobre o assunto.

Exemplo: Voltando ao exemplo da Beetz, um Manifesto do Problema seria utilizar os fóruns de redes sociais específicas para músicos (como o soundcloud) e fazer uma postagem simulando estar passando por dificuldades na negociação, contratação e gestão das finanças ao se trabalhar com estabelecimentos e entrar em contato direto com os engajados na publicação.

A segunda consiste em uma abordagem mais fria, na qual o futuro entrevistado é totalmente passivo no processo até dar o aceite explícito em participar das entrevistas.

O Apelo à Ignorância é, basicamente, dar uma breve explicação do que se propõe fazer (a proposta de valor do negócio, ou a hipótese do problema que se está testando) e humildemente dizer para o entrevistado que se está indo atrás do público pois se quer aprender mais com ele, e não fazer a coisa de forma errada.

Como a parte 1 deste artigo expõe, receber negativas ainda é possível — e isso é um bit de informação que diz algo sobre a hipótese que estamos testando e deve ser contemplado na análise — mas esse apelo à ignorância costuma cativar o público.

Validação de hipóteses: Entrevista

Para a terceira etapa, muito já foi tratado mais acima neste artigo, mas alguns adendos são importantes aqui. Durante as entrevistas, faça anotações dos pontos de destaque das respostas, de forma a facilitar a análise posterior, e sem perder nenhuma informação preciosa.

Para tanto, muitas vezes é recomendável que se façam essas entrevistas em duplas, com um responsável por guiar a conversa e outro por anotar insights. Cuidado apenas para não priorizar a anotação a manter a fluidez da conversa e nem anotar muita informação não significativa, o que atrapalha o processo de análise.

Validação de hipóteses: Indicação

Por fim, sempre, sempre peça indicações de mais pessoas com um perfil parecido que possam querer participar do processo de entrevistas.

É bastante provável que o público-alvo se conheça bastante, e essas indicações podem garantir que o processo como um todo se retroalimente e se mantenha constantemente ativo e com novos prospectados.

Análises dos insights das entrevistas

Após cada ciclo de aplicação da pesquisa exploratória — algo entre 10 e 100 conversas, a depender das características do público-alvo — a equipe precisa se reunir e traduzir os insights extraídos dessas interações em novas e mais maduras hipóteses, validações de hipóteses previamente estipuladas, ações a serem tomadas e novos testes para se realizar.

A amplitude e o impacto desses insights está intimamente relacionado às hipóteses que guiaram o desenho da pesquisa.

No caso de pesquisas exploratórias realizadas com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o público, se questione principalmente:

  • Qual o problema do cliente?
  • Por que e como esse problema acontece?
  • Quais as evidências de que esse problema é relevante?
  • Qual o público-alvo que sofre com esse problema?
  • Como esse público se comporta? 
  • Quais ações ele toma ao se deparar com o problema?
  • Como esse problema é resolvido hoje?
  • Quais as características e comportamentos que definem o entusiasta?
  • Quanto custa para o cliente não ter esse problema resolvido?

Já se o objetivo da pesquisa era desenhar a melhor solução possível, foque em aspectos relacionados às expectativas que o cliente tem sobre a resolução desse problema:

  • Quais as falhas nas soluções que o público tem à disposição?
  • Quais os benefícios do entusiasta em solucionar o problema?
  • Qual proposta de valor mais engajou o público a testar a solução?
  • Quais os diferenciais que a sua solução tem ou pode ter frente às já existentes?
  • Que funcionalidades entregam os benefícios que os entusiastas mais anseiam?
  • Como seria uma solução ideal para esse problema do cliente?

A última reflexão que deve ser feita ao final de um ciclo de pesquisas exploratórias é: 

Com os resultados que obtivemos, estamos dispostos a assumir uma nova parcela de risco, tomando as hipóteses testadas como validadas, e testar novas hipóteses?

Caso positivo, o passo seguinte é discutir qual é a próxima hipótese essencial do Modelo de Negócios, e desenhar testes para essa hipótese (que podem, muito bem, incluir uma nova pesquisa exploratória).

Se o resultado das pesquisas ainda for inconclusivo, isso significa que é necessário buscar mais informações para responder a essas perguntas, e isso significa retomar o processo de pesquisa exploratória, aplicando os conhecimentos gerados na primeira iteração e aperfeiçoando o método.

Se as informações extraídas evidenciem que as hipóteses postuladas não fazem sentido, são falsas e, portanto, não faz sentido seguir assumindo mais riscos nessa direção, o caminho é pivotar a ideia de negócios que se tinha, total ou parcialmente, desenhar novas hipóteses essenciais e seguir testando!

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Semente Negócios
A Semente desenha soluções de inovação que valorizam a vida, trazendo o impacto para o centro das tomadas de decisão em diferentes áreas. Somos uma empresa que visa contribuir para a evolução de ecossistemas de empreendedorismo, alavancar o empreendedorismo inovador como instrumento de mudanças socioambientais e aumentar as competências de inovação em grandes organizações. Acreditamos na inovação como meio e o impacto como fim. Por isso, em todas as nossas frentes de atuação, buscamos promover a prosperidade econômica, social e política através da inovação.

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